Se uma verdade sobre o vinho pode ser exaltada, seria: o vinho sempre produz sensações. Das mais diversas existentes. Há os que digam, acredito que são os melhores leitores, que ler um bom livro é uma experiência extra corporal. Pode-se conhecer o mundo por meio de suas páginas. Sem correr o risco de ser piegas, diríamos que a leitura de uma obra bem elaborada resgata os sabores mais deliciosos experimentados.
Se uma verdade sobre o vinho pode ser exaltada, seria: o vinho sempre produz sensações. Das mais diversas existentes. Há os que digam, acredito que são os melhores leitores, que ler um bom livro é uma experiência extra corporal. Pode-se conhecer o mundo por meio de suas páginas. Sem correr o risco de ser piegas, diríamos que a leitura de uma obra bem elaborada resgata os sabores mais deliciosos experimentados.
Uma pergunta para o leitor: é possível conectar livros e vinhos? A resposta é sim. Claro que sim! A memória não subestimada e tratada com respeito nos remonta às emoções do passado, basta que o gatilho correto seja acionado. Beber um vinho agradável pode nos recolocar no universo literário de uma grande história. Por outro lado, ler um livro que nos prende profundamente a atenção, pode acessar a memória do paladar e nos colocar de frente a taça de um vinho elegante que bebemos e que, eventualmente, poderíamos repetir para sentir novamente as sensações emocionantes. A estrada, uma bem pavimentada e bela, por causa de suas diversas e eletrizantes paisagens consolidadas na memória, pode ser percorrida com o veículo que melhor nos convier: O vinho e/ou o livro. Os dois se enaltecendo e completando mutuamente. O vinho lembra a experiência lida. O livro estimula o paladar para o vinho.
Paul Valéry, em seu livro “Alfabeto”, na letra S para ser preciso, fala sobre vinhos e sensações. O escritor é capaz de promover o desejo do vinho em apenas nove linhas magníficas. Veja: “É um prazer que você torne a se servir daquilo de que gosto. Quero ver nos seus olhos que lhe agrada aquilo que me agrada. Retiro meu prazer do seu, apanho-o de seu rosto, e o sigo, como que elevado ao segundo grau espiritual. Beba com esse peixe o vinho que lhe verto. Não passa de um modesto vinho fresco, jovem, e sem experiência; mas você logo provará um Siracusa que não tem menos de oitenta anos! Está no extremo de suas virtudes. Você notou como os vinhos muito veneráveis têm poder sobre as lembranças?”
A intenção aqui está mascarada por uma superposição. Um texto que fala sobre livro induzindo o aparecimento de emoções, sensações. Mas o ponto é exatamente esse. Só que guardado ao caso particular de que a sensação que o vinho nos causa é a mesma oferecida pela leitura, pela imersão em um livro, não qualquer livro, mas um essencial que nos impactou definitivamente. É claro que para essa parceria o céu é o limite. Existem tantos vinhos e livros quanto somos capazes de imaginar.
Para não isolarmos a intenção do texto da racionalidade, sem que apareça em excesso, mas para o desencargo de consciência, vejamos o que a ciência diz sobre o assunto. A Pesquisadora Karla Kaun, da Brown University, nos Estados Unidos, estudou as bases das memórias que formam os estímulos sensoriais que respondem ao ato de beber vinho. Acessadas por ações tais como segurar uma taça, sentir o aroma, preencher a boca e tocar a língua, segundo Karla, existe uma grande probabilidade de as memórias desencadearem os desejos pelo vinho. Ela explica: “se entendermos a base molecular desses desejos, estaríamos mais perto de entender como os eles são formados”. Entendendo que o estudo é uma seta que aponta em direção ao conhecimento dos estímulos e reações desencadeados pela bebida, reforçamos, cientificamente, nossa ideia de que a memória é responsável pelo desejo de tomar vinho. Direcionadas, em ambiente específico, as sensações são aquelas promovidas pela leitura de um livro.
Deixemos também os especialistas contribuírem. Vinho, uma bebida para os sedentos. Segundo a escritora e crítica de vinhos, Jancis Robinson, “o líquido delicioso existe não para preencher livros de degustação ou justificar excursões a colheitas, mas para transmitir um prazer sensual”. O paladar é um portal para lembranças, para similitudes, para identificações. Em resumo, não é difícil que simultaneamente um livro e um vinho nos conduza, com a chave justa e confiável ao portal que acessa sensações boas e idênticas que necessitam sempre se resgatar. Assim, deve existir um vinho para um livro, que juntos formam uma unidade sensorial possível.
É Paul Valéry que dá o arremate para o conhecimento definitivo dessas conexões. Nada mais justo do que deixar a literatura e o lirismo musical do escritor encerrar o ensaio, reservando ao livro o digno lugar onde está guardada verdade sobre o tema. Em “Alfabeto”, ele desvenda e profetiza as venturas dos bebedores de vinhos.
“Dir-se-ia que esses vinhos picam e beijam, ao mesmo tempo, as diversas ninfas nervosas que têm seus mil pequenos antros na boca, na língua, nas narinas. Cada ano que viveram na cave deixou-lhes alguma perfeição. É preciso bebê-los antes que morram. Um bom vinho tem sua vida durante a qual amadurece e sozinho se faz conserva. Isso confina com a magia. Há magia em todas as circunstâncias em que as coisas criam espírito.”
Não há mais o que se dizer para defender a mistura. Em três eixos fundamentais, a ideia pode ser sedimentada. Vinhos e livros estão conectados por: memórias, sensações e emoções. Nesse sentido, fizemos uma lista pessoal com o objetivo de deixar a dica para um exercício divertido e prazeroso. Todos podemos realizar uma efetiva combinação, por mais pessoal — e é a única maneira — que isso possa parecer.
O Túnel, de Ernesto Sabato
Obra Prima Colecction, Gran Reserva, Malbec, 2008
É sinônimo de equilíbrio. Taninos muito suaves, acidez presente, mas de forma incrivelmente sutil. O sabor característico dos vinhos que envelhecem no carvalho é bem dosado, lembrando café, com nuances terrosas, sempre equilibradas. Percebe-se ainda, com bastante expressão, sabor de coco queimado e algo picante que inebria. No olfato está presente um buquê floral intenso, morangos maduros e ameixas. Com um final longo e persistente, esse blend de Malbec, Cabernet Sauvignon e Merlot impressiona pela complexidade inicial. Surpreende logo que aberto e impressiona durante a evolução. Os 18 meses em barricas de Carvalho agregam sofisticação e elegância a esse belo exemplar argentino. Magnífico!
Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez
Carpe Diem, Tierra Roja, 2014
Porque alguns gostam mesmo de comprar livro pela capa e vinho pelo rótulo. Nesse caso a escolha acertadíssima. Carpe Diem é um bem elaborado blend das castas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Syrah e Merlot. O rótulo em veludo vermelho com letras douradas traduz com grande precisão a elegância do seu conteúdo. Sua coloração rubi intensa valoriza as lágrimas abundantes e seu final longo e persistente. Apresenta aromas de frutas negras maduras, couro e baunilha. No paladar mostra taninos redondos e acidez equilibrada. Uma bela surpresa chilena do Valle de Itata.
Dom Casmurro, de Machado de Assis
Cadus, Blend de alturas, Malbec, 2013
Este é um elegante e premiado vinho argentino. Um Malbec autêntico do Vale de Uco, elaborado a partir de uvas cultivadas em três altitudes distintas. Um blend de alturas que confere um frescor característicos dessa uva. No olfato apresenta notas de frutas vermelhas, couro e um leve frescor. No paladar apresenta taninos maduros, baixíssima acidez, notas de frutas maduras e tabaco.
Orgulho e Preconceito, de Jane Austen
Robert Mondavi, Private Selection, Zinfandel, California, 2016
Robert Mondavi, conhecido embaixador do vinho Californiano, foi o maior nome do vinho norte-americano na metade do século passado. A acidez equilibrada, os taninos aveludados e um longo final são características marcantes desse famoso Zinfandel. Aromas de compota de cereja, framboesa, chocolate e especiarias doces. No paladar, os intensos sabores frutados se repetem e se misturam a especiarias, couro e baunilha.
Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar
Dom Laurindo, Gran Reserva, 2005
Os vinhos da vinícola brasileira Dom Laurindo são relevantes e premiados. São vinhos elegantes e bem equilibrados que agradam ao paladar. Esse Gran Reserva 2005 mostra taninos suaves e acidez destacada, mas que não chega a comprometer o equilíbrio. Vinho de médio corpo com reflexos de um vermelho intenso e um longo final. Aromas terrosos, com nuances de frutas negras, pimentão e um defumado bem evidente, além de notas adocicadas. No paladar lembra especiarias, tabaco, carvalho e pimenta preta.
O Mal de Montano, de Enrique Vila-Matas
François de Lurton, Clos de Lolol, 2013
Surpreendente. Esse blend elaborado a partir das uvas Syrah, Carmenere, Cabernet Sauvignon e Cabernet Fran, cultivadas na Hacienda Araucano, Valle de Lolol, no Chile — em regime orgânico — apresenta uma surpresa encantadora após 60 minutos de decantação. Um autêntico vinho orgânico, com certificação internacional, ele oferece intenso aroma de frutas vermelhas e tabaco. Notas de chocolate, couro e frutas maduras são evidentes no paladar, repito, após uma hora decantando. Mais uma excelente experiência chilena. A harmonização com filé mignon e espaguete integral ao molho funghi secchi é uma boa sugestão. O queijo Grana Padano fecha com chave ouro.
O Estrangeiro, de Albert Camus
Blason de Bourgogne, Bourgogne, Pinot Noir, 2015
Para definir esse maravilhoso Pinot Noir, uma frase de escritor Ian McEwan escrita em seu livro Enclausurado: “Mas, ah, um Pinot Noir alegre e rosado ou Sauvignon com toques de groselha me fazem dar saltos e cambalhotas em meu mar secreto, ricocheteando nas paredes de meu castelo, desse castelo elástico que é meu lar”.
Pergunte ao Pó, de John Fante
Ménage à Trois Gold, Chardonnay, 2015
Esse importante representante californiano, da Vinícola Trinchero Family States, uma propriedade familiar que fica no coração do Napa Valley, fundada em 1948 pelos irmãos e imigrantes italianos Mario e John Trinchero, é um vinho branco intenso, com significado marcante para os apreciadores da uva Chardonnay. Vinho amanteigado, com toques de carvalho, aromas de abacaxi grelhado, cedro e flor de laranjeira. Esse vinho passa a maior parte do tempo de amadurecimento em carvalho americano, o que lhe proporciona identidade própria e bastante personalidade. Os sabores que surgem estão harmoniosamente integrados com uma textura magnânima e perfeitamente cremosa.
O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë
Milla Cala, VIK, Cabernet Sauvignon, Carménère, Cabernet Franc, 2012
A vinícola VIK é o resultado do sonho do norueguês Alexander Vik, que vislumbrou a criação de um vinhedo excepcional para a produção de um vinho único. Investigou o terroir da América do Sul e, com as melhores condições climáticas possíveis, em 2006 obteve sucesso em sua empreitada. O gestor atual do vinhedo, Patrick Valette, é um experimentado viticultor que trabalhou por muito tempo no famoso Château Pavie, em Bordeaux, na França. O vinho citado, Milla Cala, é um brilhante representante do sonho de Alexander Vik. Esse blend de coloração rubi-vermelho, possui um brilho intenso. No nariz prevalece aromas de frutas maduras e vermelhas com intensa presença. O barril está bem presente e verifica-se que é um vinho sutil, com potencial de equilíbrio com a idade. No paladar pode-se sentir um frescor, é aveludado, possui taninos elegantes, redondos e um retrogosto persistente. Um belíssimo vinho e uma grande concepção de seu criador. Um sonho realizado.
Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy
Intrépido, Syrah, Pireneus, 2015
Este representante goiano por excelência é um Shiraz absolutamente bem feito. Pireneus é a primeira vinícola do Centro-oeste a produzir vinhos de uvas vitis vinifera. Com uvas syrah e tempranillo colhidas na Serra dos Pireneus, esse vinho generoso e belo é um advento da batalha pelo bom gosto. Visualmente apresenta cor vermelho-rubi. Os aromas são de frutas vermelhas e negras bem maduras, notas florais, defumado, pimenta e toques herbáceos. Vinho bem estruturado, com taninos marcantes e final persistente.
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