domingo, 30 de agosto de 2020

10 livros e 10 vinhos: uma harmonização

Se uma verdade sobre o vinho pode ser exaltada, seria: o vinho sempre produz sensações. Das mais diversas existentes. Há os que digam, acredito que são os melhores leitores, que ler um bom livro é uma experiência extra corporal. Pode-se conhecer o mundo por meio de suas páginas. Sem correr o risco de ser piegas, diríamos que a leitura de uma obra bem elaborada resgata os sabores mais deliciosos experimentados.

10 livros e 10 vinhos: uma harmonização

Se uma verdade sobre o vinho pode ser exaltada, seria: o vinho sempre produz sensações. Das mais diversas existentes. Há os que digam, acredito que são os melhores leitores, que ler um bom livro é uma experiência extra corporal. Pode-se conhecer o mundo por meio de suas páginas. Sem correr o risco de ser piegas, diríamos que a leitura de uma obra bem elaborada resgata os sabores mais deliciosos experimentados.

Uma pergunta para o leitor: é possível conectar livros e vinhos? A resposta é sim. Claro que sim! A memória não subestimada e tratada com respeito nos remonta às emoções do passado, basta que o gatilho correto seja acionado. Beber um vinho agradável pode nos recolocar no universo literário de uma grande história. Por outro lado, ler um livro que nos prende profundamente a atenção, pode acessar a memória do paladar e nos colocar de frente a taça de um vinho elegante que bebemos e que, eventualmente, poderíamos repetir para sentir novamente as sensações emocionantes. A estrada, uma bem pavimentada e bela, por causa de suas diversas e eletrizantes paisagens consolidadas na memória, pode ser percorrida com o veículo que melhor nos convier: O vinho e/ou o livro. Os dois se enaltecendo e completando mutuamente. O vinho lembra a experiência lida. O livro estimula o paladar para o vinho.

Paul Valéry, em seu livro “Alfabeto”, na letra S para ser preciso, fala sobre vinhos e sensações. O escritor é capaz de promover o desejo do vinho em apenas nove linhas magníficas. Veja: “É um prazer que você torne a se servir daquilo de que gosto. Quero ver nos seus olhos que lhe agrada aquilo que me agrada. Retiro meu prazer do seu, apanho-o de seu rosto, e o sigo, como que elevado ao segundo grau espiritual. Beba com esse peixe o vinho que lhe verto. Não passa de um modesto vinho fresco, jovem, e sem experiência; mas você logo provará um Siracusa que não tem menos de oitenta anos! Está no extremo de suas virtudes. Você notou como os vinhos muito veneráveis têm poder sobre as lembranças?”

A intenção aqui está mascarada por uma superposição. Um texto que fala sobre livro induzindo o aparecimento de emoções, sensações. Mas o ponto é exatamente esse. Só que guardado ao caso particular de que a sensação que o vinho nos causa é a mesma oferecida pela leitura, pela imersão em um livro, não qualquer livro, mas um essencial que nos impactou definitivamente. É claro que para essa parceria o céu é o limite. Existem tantos vinhos e livros quanto somos capazes de imaginar.

Para não isolarmos a intenção do texto da racionalidade, sem que apareça em excesso, mas para o desencargo de consciência, vejamos o que a ciência diz sobre o assunto. A Pesquisadora Karla Kaun, da Brown University, nos Estados Unidos, estudou as bases das memórias que formam os estímulos sensoriais que respondem ao ato de beber vinho. Acessadas por ações tais como segurar uma taça, sentir o aroma, preencher a boca e tocar a língua, segundo Karla, existe uma grande probabilidade de as memórias desencadearem os desejos pelo vinho. Ela explica: “se entendermos a base molecular desses desejos, estaríamos mais perto de entender como os eles são formados”. Entendendo que o estudo é uma seta que aponta em direção ao conhecimento dos estímulos e reações desencadeados pela bebida, reforçamos, cientificamente, nossa ideia de que a memória é responsável pelo desejo de tomar vinho. Direcionadas, em ambiente específico, as sensações são aquelas promovidas pela leitura de um livro.

Deixemos também os especialistas contribuírem. Vinho, uma bebida para os sedentos. Segundo a escritora e crítica de vinhos, Jancis Robinson, “o líquido delicioso existe não para preencher livros de degustação ou justificar excursões a colheitas, mas para transmitir um prazer sensual”. O paladar é um portal para lembranças, para similitudes, para identificações. Em resumo, não é difícil que simultaneamente um livro e um vinho nos conduza, com a chave justa e confiável ao portal que acessa sensações boas e idênticas que necessitam sempre se resgatar. Assim, deve existir um vinho para um livro, que juntos formam uma unidade sensorial possível.

É Paul Valéry que dá o arremate para o conhecimento definitivo dessas conexões. Nada mais justo do que deixar a literatura e o lirismo musical do escritor encerrar o ensaio, reservando ao livro o digno lugar onde está guardada verdade sobre o tema. Em “Alfabeto”, ele desvenda e profetiza as venturas dos bebedores de vinhos.

“Dir-se-ia que esses vinhos picam e beijam, ao mesmo tempo, as diversas ninfas nervosas que têm seus mil pequenos antros na boca, na língua, nas narinas. Cada ano que viveram na cave deixou-lhes alguma perfeição. É preciso bebê-los antes que morram. Um bom vinho tem sua vida durante a qual amadurece e sozinho se faz conserva. Isso confina com a magia. Há magia em todas as circunstâncias em que as coisas criam espírito.”

Não há mais o que se dizer para defender a mistura. Em três eixos fundamentais, a ideia pode ser sedimentada. Vinhos e livros estão conectados por: memórias, sensações e emoções. Nesse sentido, fizemos uma lista pessoal com o objetivo de deixar a dica para um exercício divertido e prazeroso. Todos podemos realizar uma efetiva combinação, por mais pessoal — e é a única maneira — que isso possa parecer.

O Túnel, de Ernesto Sabato

Obra Prima Colecction, Gran Reserva, Malbec, 2008

Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez

Carpe Diem, Tierra Roja, 2014

Dom Casmurro, de Machado de Assis

Cadus, Blend de alturas, Malbec, 2013

Orgulho e Preconceito, de Jane Austen

Robert Mondavi, Private Selection, Zinfandel, California, 2016

Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar

Dom Laurindo, Gran Reserva, 2005

O Mal de Montano, de  Enrique Vila-Matas

François de Lurton, Clos de Lolol, 2013

O Estrangeiro, de Albert Camus

Blason de Bourgogne, Bourgogne, Pinot Noir, 2015

Pergunte ao Pó, de John Fante

Ménage à Trois Gold, Chardonnay, 2015

O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë

Milla Cala, VIK, Cabernet Sauvignon, Carménère, Cabernet Franc, 2012

Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy

Intrépido, Syrah, Pireneus, 2015

10 livros e 10 vinhos: uma harmonização Publicado primeiro em https://www.revistabula.com

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